05 dezembro 2009

Espelho



Da trégua nasce a luz de uma noite enevoada. Dos olhos desce uma lágrima, uma exuberante lágrima azulada. E da vida, surge uma última esperança.

Exaurido de continuar andando, meus joelhos cedem ao desespero, meu corpo mergulha na terra, minha fronte é cortada, minha boca fechada.

Minha voz é silenciada.

De minha alma, a única essência é a incerteza.

Preso ao meu sonho, minha realidade paralela, meu universo primitivo e sofisticado, onde eu me conserto, me refaço e remodelo. Preso também a minha saudade, minha vontade irrecusável, em que as lembranças de nossos braços entre abraços e sussurros eram brilhantes durante a alvorada e se tornavam estrelas diante da meia-noite.

Gostaria de compor uma música, gostaria de expressar meus mais profundos sentimentos, adoraria emocionar platéias com uma ótima interpretação ou um poema bem escrito.

Amaria compreender o amor, escrever amor, desenhar amor e suspirar paixão incandescente. De fato, seria uma honra ser o senhor do coração. Mas não de qualquer um, mas sim do seu. Você que lê essas palavras ou mesmo você que as escuta. Ou você que as esquece...

Porque hoje eu lembrei do vento fresco da praia, da lua tocando o mar, do céu limpando a tristeza. Porque hoje eu ando triste. Porque hoje eu te vi sem querer.

E te perdi de novo.

E sei que continuarei te perdendo, até que um dos dois morra. Ou desista...

Por que escrevo se já não consigo? Por que choro se não é mais preciso? Por que espero alguém, se eu já não mais existo? Por que ainda me importo? Por quê?

Vou me desencontrando e sumindo, depois me encontro e converso. E novamente me perco. Ouço os diálogos irônicos, ouço os gritos de uma briga, ouço o arrependimento no palpitar de uma vida. Sinto o cheiro de nostalgia. E da melancolia. E da minha ruína.

Se fiquei trancado em um excruciante invólucro, se me desviei do que tentava alcançar. Digo com uma honestidade intrínseca: não pretendia isso. Na realidade, certos fatos não foram imaginados nem mesmo em completa agonia. E agora, querendo ou não, o que eu vivo é uma insensível agonia.

Eu quero gritar.

Eu quero urrar de dor, de pranto, de descontentamento... E alegria.

Só peço que possa fechar meus olhos. Dormir a tarde e confrontar a mais silenciosa noite. Peço que meus medos me assolem e me inspirem terror, para que no futuro eu consiga vencê-los. Consiga massacrá-los ao melhor estilo da vendeta. Peço que minha força ultrapasse meu controle, que ela ganhe espaço e confronte mão a mão alguns irritantes paradigmas.

Depois, ficarei cansado de pedir, cansado de tentar, de olhar, ouvir, silenciar, chorar, vestir e amar.

Não me cansarei somente da solidão.

Pois as sombras se tornam mais fortes nessa noite linda. O tempo passa. E eu fico admirando o deslumbre que é a ausência. O descompromisso. Uma liberdade sacrificada pela qual estou disposto a doar minha morte e minha amada, meu dia e minha nação, meu segundo e minha sabedoria... Minha fala e minha tola ação.

Eu sei que detalhes transcritos aqui não fazem sentido ou sustentam razão. Eu simplesmente sei. Mas, é dessa maneira que o meu mundo funciona e respira. E se ilude.

E nessa loucura, esbarrei em um espelho. Pude escutá-lo se estilhaçando, e apreciá-lo no chão, como um quebra cabeças. Ele era opaco. Grosseiro. Mesmo assim, possuía um charme translúcido. E foi nesse espelho que profetizei minha amargura. Chorei a secura de meus lábios e o óbito de meu conhecimento. Chorei de raiva. Cortei os pulsos e o sangue não escorria. Pedia socorro, mas a voz se calava. Morria indigente quando o sol se punha.

E me tranquei nessa meia-noite enluarada.

2 comentários:

  1. "Vou me desencontrando e sumindo, depois me encontro e converso. E novamente me perco. Ouço os diálogos irônicos, ouço os gritos de uma briga, ouço o arrependimento no palpitar de uma vida. Sinto o cheiro de nostalgia. E da melancolia. E da minha ruína." ual.

    ResponderExcluir
  2. okay... eu definitivamente vicio nos seus textos!
    são muito lindos!!! eu simplesmente não tenho o que falar!! lindos mesmo!!
    *-----------*

    ResponderExcluir