31 janeiro 2011

Por Pura Arrogância

“Preciso dizer uma coisa”

“Diga”, disse ela, sentada na grama enquanto ele, de pé, encarava os próprios pés.

“Eu te amo”

“Eu também te amo, você sabe disso”, ela estava visivelmente espantada com a declaração, óbvio que ele a amava... “Você é meu confidente, meu conselheiro, meu ponto de equilíbrio...”

E, com os olhos pesados, as mãos trêmulas e a saliva amargando em sua boca, ele disse “E, infelizmente, somente seu amigo”
A boca dela se abriu ligeiramente, o pensamento vagou por instantes que duraram horas. Nenhuma palavra, talvez uma risadinha triste. Melhor não. O que diabos ela acabara de escutar? É possível que isso tenha sido dito? Ai, não, não, por Deus, não...

“Sim”, ele captara seu olhar quase desesperado, sem ao menos saber que palavras viriam. Na realidade ele sabia. Esse era o problema, ele sabia exatamente tudo o que ela faria. Só não admitia saber o final dessa história.

“Eu não... O que você quer que eu faça? Eu...”

“Eu sei o que você vai fazer, apenas quis desabafar”, sua barba a fazer dava-lhe um ar de cansaço.

“Nós... Realmente, nós somos apenas amigos. Apenas.” Ela sussurrou as sílabas, tentando, com cuidado, não machucá-lo.

Ele girou nos calcanhares e foi embora, sem mais explicações ou despedidas.
E então, eles nunca mais se viram.

Ela tornou-se médica, casou-se, teve dois filhos e depois descobriu que o marido a traía com a estagiária de seu escritório. Mas manteve o casamento, sem nunca esquecer aquela declaração feita no final de uma tarde quente de fevereiro.

Ele... Bem, ele tornou-se um suicida em potencial, divorciado, rico, sócio majoritário de um conglomerado empresarial onde, por acaso, o marido dela trabalhava como subordinado em um escritório local.

Ele sabia do caso do marido também. Ele até conhecia a estagiária.

Ele ria por fora, sorria dessa situação toda e imaginava o que teria acontecido a ele se ela tivesse dito “eu te amo”.

Mas por dentro...
Por dentro era só dor.

Sempre.

29 janeiro 2011

Flor de Narciso

Todos tem segredos.

Íntimos.
Doces.
Encantados.
Até os mais transparentes e indomáveis carregam, no fundo do bolso, uma caderneta preta repleta de detalhes escusos. Restos de infâmia e loucura...

Mas nós não.

Nós somos a exceção dessa regra formidável.

Ultrapassamos a luxúria escarlate, feita a imagem e semelhança da cobiça, e conceituamos, de maneira indecente, a sensualidade.

O que temos é um jogo de poderes e desilusões.
Um samba de quintal, manso, malandro.
Um pouco carioca.

Ou talvez não tenhamos nada.
Apenas um ao outro,

Será que é isso?
Será que não?
Prefiro dizer que somos, simplesmente, queridíssimos por esse mistério tão complexo e desajeitado.

Somos desejados por todas as pessoas que respiram, que nos comtemplam, que nos refletem.

Porque somos assim, sem mais ou menos.
Porque não exigimos nada exorbitante, quiçá amizade.
Porque existem mil e um motivos que nos definiriam entrelinhas.

Nós somos entrelinhas.
Somos, seremos, fomos.

Quase intocáveis.

17 janeiro 2011

De um tempo que não é mais dela


Foge de mares escuros.
Na estrada, durante a noite,
Ora a Deus.

Sua prece será em vão?

Encontra-se sozinha porque quer,
Porém é muito bem casada
Com as teias da psicologia.
Os teoremas são seus irmãos.

Vive perto de livros,
Mas a morte continua a persegui-la.
Desistiu do romance,
Do amor, das rosas e alianças.

Hoje respira aos pulos,
Mas só se pode pular enquanto há pernas.
A doçura há muito deixou de ser rotina.

Não existem mais lágrimas,
Ou carinho,
Ou esperança.

Seu nome não foi dito da primeira vez.

E não será dito agora.
Em seu epitáfio estará escrito:
“In Memoriam”.
E basta de explicações.

Esqueceu-se das boas maneiras,
Lambuzou-se em insanidade.
Toma banho em bacia de ouro, no meio da podridão.

Foge, foge sempre.
Só o ódio a alimenta,
Uma perfeita Amazona.

Ainda ambígua,
Ainda sem rumo.

Minha eterna, amada e intransitivamente
Única.