30 janeiro 2010

Antes


Já não se fazem mais os pedidos de antes. As fotos agora são diferentes. As palavras perderam aquele sutil amargo que outrora preenchia nossas bocas. Os olhares, que indiscretamente se perdiam e encontravam e partiam sem se despedir, hoje pedem indiferença e ganham ingratidão.

Já não se fazem mais aquelas belas paixões, em que o mocinho salvava a donzela, e o vilão morria de ódio ou catapora. Os desejos, que em outros tempos eram azuis, cor de anil, rubro-negros e uma infinidade de cores, agora se acostumaram a serem neutros, transparentes... Qualquer coisa, menos alegres.

É, parece que a vida ficou mesmo meio sem graça.

Não que eu reclame, afinal, há vezes em que é preciso esquecer o convencional. Mas, venhamos e convenhamos: o convencional era delicioso. Fantástico. Brilhante. E, sem querer, foi entrando no passado, criando raízes na tradição, beirando a insanidade e se alimentando de falsa esperança. Com o tempo, ele se tornou obsoleto e hoje não passa de uma engrenagem velha, feita por velhos e ridicularizada por muitos.

Por isso, ele é tão assombrado. Mal amado.

E, o que me deixa ensandecido: Nem as grandes promessas sobreviveram. No mundo em que vivo, não mais prometemos mil beijos e amor eterno, ou fidelidade e sucesso. Esbarramo-nos e criamos atração. Já não há o compromisso do existencialismo poético.

E a poesia era tão linda!! Tão cheia de vida, de verdade e mentira, tão intensa que chegava a reluzir felicidade. Ela nos fazia bem, nos enchia de vontade, de “querer e bondade” que aos olhos dos mais secos, as lágrimas caiam em gotas leves, e os mais emotivos debruçavam-se em oceanos de sorrisos.

Pois sim, houve uma época em que tudo parecia diferente, todos possuíam face e o malvado sempre era pego em flagrante. O conto de fadas não era proibido, e sonhar cheirava doce como chocolate. Ah, confesso que sinto falta disso: desses tempos áureos em que vivi por poucos anos e aproveitei tardes e noites, e algumas poucas manhãs. De fato, foi lindo ver o que vi, bicho.

Woodstock, repressão, exílio, canções subversivas, os caras pintadas: o suor da guerra por princípios, por crepúsculos tranqüilos e auroras encantadas. A busca por amor, por ideal. Ou o próprio amor ideal, ou a idéia de amor, ou qualquer coisa relacionada. Talvez esteja ficando velho e me lamentando por não ter conquistado aquela garota que tanto quis.

Talvez seja a mudança de gerações, talvez seja a falta de humanidade que se encontra em frases românticas de alguns filmes hollywoodianos. Talvez seja a soma desses meus tiques e manias. Talvez não seja nada.

Somente o passado, mostrando-se impiedoso. Provavelmente é aquele impulso de viver o “antes”. O que já foi, já se tornou recordação...

Só sei de uma coisa...

Hoje, aquele que é pego: escapa, o que é acusado: mente, o que provoca dor: finge, o que pensa: não age, o que fala: morre, o que ama: perde, o que sorri: se esconde, o que grita: se cala, o que rebela: se acalma ...

E o que escreve: espera, incessantemente;

...espera, incansavelmente;

...espera; ansiosamente;

...espera; calorosamente;

...espera, tragicamente...

...que as coisas mudem...

E, quiçá, continuará esperando.

02 janeiro 2010

Válvula de Escape


Pungente.

Dormente.

Insaciável.

Uma dor que corrói e vai rasgando minha racionalidade. Uma dúvida suspensa em uma névoa de memórias impróprias para o momento.

Sinto-me... Confuso. Até que ponto alguém é capaz de inventar e sustentar uma mentira? Por que tal atitude? A verdade dói tanto assim? Ou seria a dor da ilusão que causa o prazer do ato?

É tão difícil notar que as coisas fluem, as pessoas morrem e o que acontece tem, necessariamente, que acontecer?

Ainda estou confuso. E, provavelmente continuarei assim. Simplesmente confuso por mentir demais e sentir o peso da realidade. Afinal, minha mentira foi feita em cima de um mundo de promessas: promessa de não sofrer, de não se magoar, de não matar ou mesmo morrer, de aproveitar. A promessa de pulsar um coração enquanto houvesse fôlego de vida. E essa teoria tão comunista durou um bom tempo. Sei que não foi fácil no começo, mas quando se pega o jeito e acordar todas as manhãs não se torna um árduo inconveniente... Tudo funciona. Como se a invenção fosse a verdade nua e crua.
Como se não pudesse existir outra resposta às minhas perguntas.

Outra solução para os meus problemas.

Porém há um martelo em minha cabeça, que não pára de bater na minha consciência. E ela me disse a pouco que não suportará a pressão por muito mais tempo. Logo, eu irei ceder aos fatos. Logo, aquela ferida tão dolorida irá ficar exposta e será cutucada por curiosos, irá aumentar e... Romper, explodir.

Existir. Logo, a ferida irá existir novamente.

Não sei se estou pronto para tanto. Nem sei ao certo se estou pronto para alguma coisa que não o esquecimento.

Por que todo o drama?

Porque dói.

E eu estou cansado desse espetáculo. É mais fácil admitir, eu sei. Haverá uma avalanche de conseqüências e incertezas, contudo, o pesar terá sumido. Talvez o medo também. Mas eu não posso abrir mão dessa fantasia, dessa idéia tão vívida e pura e... Aconchegante. Por tempos mentir à mim mesmo foi a única solução plausível. E agora, parece uma covardia me esconder atrás de panos e palavras fracassadas.

Parabéns, comecei o ano bem.

Mas, o que fica perturbando o meu bom senso é: até quando vou fingir e mascarar meus sentimentos, meus gestos e minha vida? Até quando vou atuar como bom samaritano? Até quando o medo de estragar as coisas e jogar tudo no ralo vai afugentar minha coragem?

Até quando vou fugir de mim, negando as explicações necessárias, lutando para não me encarar e ver meus olhos de reprovação?

E até quando eu vou aguentar não ver os seus olhos nos meus?

Isso somente o tempo e as mentiras vão poder me responder. Ou talvez as feridas. Mesmo assim...

Eu ainda não sei.