24 dezembro 2009

Natal

“... Mamãe?”
“Fala filho. O que foi?”
“Por que todo mundo está tão feliz assim? Por que tanta festa?”
“Porque é Natal, filho. E, nessa época, as pessoas gostam de fazer festas, gostam de comemorar a vida...”.

Silêncio. A criança vislumbrava a rua movimentada, direcionando cuidadosamente sua atenção aos homens e mulheres que transitavam com garrafas de champanhe envolvidas em sacos plásticos transparentes, outros com panetones empacotados, presentes embrulhados... Seus olhos brilhavam diante de tamanha euforia. Logo seria meia-noite e todos vibrariam de emoção, gritando, soltando fogos e brindando a chegada de um 25 de dezembro iluminado pela paz... De repente, a criança reparou em alguém que não estava tão feliz assim... Um senhor de quase sessenta anos, aparência exausta, barba a fazer, olheiras profundas, um sorriso que lutava para aparecer em seu rosto.

“Mamãe?”
“O que foi agora, filho?”
“Por que aquele velhinho não está brincando e conversando como os outros?”
“Não sei filho. Quem sabe ele não gosta do Natal ou... qualquer coisa nesse sentido. Mas, qual a importância disso?”-disse a mãe, indiferente.
“Ele deveria estar bem, como às outras pessoas... o Papai Noel vai dar um presente a ele? Se isso acontecer ele pode ficar contente, não é mesmo?”-sua face ganhara vida ao se lembrar do fato. Ganhara expectativa.
“Talvez, filho, talvez...”.
“Mas sabe, mamãe, eu nunca vi o Papai Noel... Ele existe mesmo?”

Então, a mãe teve de tomar uma atitude. Baixou o olhar apara seu filho, suspirou profundamente e disse, com toda a coragem e seriedade que encontrou dentro de si:

“Eu também nunca o vi, filho. Mas ele existe. Sabe como eu descobri isso? Vou te ensinar. Feche bem seus olhos, fique quieto um pouquinho, esqueça de tudo que está a sua volta. Se concentre bem, entendido? E então, o que você está ouvindo?”

Por um instante ela temeu ver o filho decepcionado. Contudo, um sorriso repentino encheu seu rosto...

“Tô ouvindo sim, mamãe...”.

Para aquela criança o mundo parara de girar. O único som vinha de dentro de seu peito. Um som distante e caloroso que lembrava uma sonora gargalhada. Uma gargalhada digna de Papai Noel. A mãe respirou aliviada, percebendo o inevitável:




“Ainda havia esperança...”.

23 dezembro 2009

Resignação

Lute como se a vida dependesse de sua vitória. Grite como se o mundo pudesse sentir e ouvir sua voz. Procure, busque alguma coisa, mesmo que não esteja buscando nada. Encontrará algo, não importa o que for. Viva e respire, apreciando toda a cadência de estar aqui, agora. Reaja, por Deus, reaja, de qualquer maneira, em qualquer hora... Desde que reaja, pois eu não suporto não ver o brilho de seus olhos.

Mas...

Se for preciso, morra.

Se quiser, com ou sem motivo, desista.

Se lhe for conveniente, se entregue.

Se pensar ser mais fácil, jogue-se aos leões.

Eu agüento, ou pelo menos, tento.

Ninguém irá rotular suas atitudes, nem mesmo julgar seu discernimento. Há vezes em que o ser humano, de fato, é fraco. E depois de tanta fraqueza e desventura, restarão apenas lágrimas e lamentos, memórias de um passado cretino, malandro. Restará alguém chorando por você, sentindo sua falta, lutando contra a saudade e enlouquecendo pela perda. Afinal, esse é o clichê sepulcral que acompanha aqueles que ficaram e zelam por um novo e inadiável fim.

O fim dos tempos.

O fim da vida.

O fim da morte.

O fim da mesmice.

O fim da sorte.

O fim das tréguas.

O fim das guerras.

O fim do pranto.

O fim das madrastas megeras.

E o fim dos fins e dos começos...

...Das alegrias e dos tropeços...

E, quando então, você olhar para trás, irá ver meus olhos junto aos seus, esperando um último adeus, o abraço que ficou entre nossos braços e será lembrado por nossas mãos.
Quando você olhar para trás, estarei esperando a despedida tardia, aquele aceno entristecido que tentou substituir nossas derradeiras palavras. Não notará sorriso nem gargalhada. Somente meu pesar, o fardo que tenho que carregar, o preço por amar demais por tempo demais, uma única pessoa.

Mas eu suporto. Cairei e encontrarei forças para levantar. Irei sangrar, até que a ferida cicatrize ou a loucura me vença.

Eu sei que sofrerei.

É inevitável, isso eu também sei.

E, quando não houver energia que reste e luz que se acenda, ficarei cego, na mais profunda e concreta escuridão. Meus olhos provavelmente estarão abertos, mas minha alma há muito estará trancada a sete chaves... Mumificada pela ausência, deteriorada pelo desuso. Uma irônica piada sem graça.

A minha piada. A melhor entre todas.

E, do alto, uma dama com um longo vestido de alabastro estará me esperando. Sorrindo e cantando e dançando, como nós fazíamos... Neste instante, tenha certeza, me sentirei leve.

E você, de onde quer que esteja, estará radiante, com ou sem tristeza. Porque haverá em seus olhos o brilho, o famoso brilho da juventude, da simplicidade, da paixão atenuante. Haverá em você aquilo que sempre houve, mas por pouco quase desapareceu: Você, em sua mais perfeita complexidade e exatidão.

Não importa qual será o meu destino. O que importa é que a vi feliz.

Não se preocupe comigo. Eu estarei sempre ao seu lado.

Não queira notícias minhas, se isso não lhe fizer falta: meu principal objetivo sempre foi vê-la alegre.

O que será de mim? Ora, por favor... Eu não serei nada. Pois morri quando você partiu para qualquer lugar.

... Qualquer lugar em que seu beijo me é negado...

... Qualquer lugar distante de mim.

20 dezembro 2009

Feridas de um Fracasso

…Cicatrizes são histórias gravadas em meu corpo, cena por cena, sentidas na pele e vividas em brasa, como o ódio e amor… Meu olhar é um vasto horizonte paralelo dos fatos em preto e branco, onde me perco em especulações desvairadas a respeito de meu ser, de minha palavra (a tão importante e angustiante palavra que não sai de minha garganta, esbarra nas sílabas e insiste em fracassar), e vou me encontrando sem querer, pedaço por pedaço, até que todas as peças se encaixem discretamente no que seria classificado como caráter, meu único e irrevogável caráter… Meu destino ainda declara-se como uma constante incerteza do absoluto vazio, uma loucura envolvida em razão e desculpas que se explica como normal para, apenas, manter uma falsa aparência, algo em transformação, erupção, sem razão ou objetivo, com a clareza de um pombo branco ou um simples feixe de luz…

Uma falsidade maquiada pelo egocentrismo, pelo medo de perder o posto e ser declarado “comum”. Uma série de fatos intermináveis que culminaram em desastres fantasticamente nostálgicos, com toques de ironia e piedade fingida. Um desrespeito à ordem vigente, que declara claramente o quão importante é estabilizar as emoções e controlar a fraqueza.

Uma anarquia oficializada e posta em prática.

Uma escuridão que me assombra todas as noites, no silêncio da morte.

Um pássaro negro que se esconde antes de alvorecer a esperança.

Um lado que existe e, que temo por aceitar, ser meu lado. A minha outra face, que assume as rédeas e dirige minha vida. E não teme, nem falha, nem respira...

Sobrevive apenas de mim. E do que sou.

17 dezembro 2009

Poeminha

Existem cenas que me encantam pela beleza do “ser” e “estar”.
Existem pessoas que eu amo pelo simples fato de amar.
Existem histórias que eu escrevo pela essência de viver.
Mas não existem palavras que descrevam o quanto eu quero você.

11 dezembro 2009

A Ironia dos Tolos

Seu olhar baixou ante o inevitável. Aquela seria sua reação? Aceitar a morte de
um sonho, como se sonhos e objetivos e tentativas estivessem nas esquinas, esperando por um dono?

Fraco.

Novamente a maldita voz açoitava seu cérebro. Era uma facada em seu coração ensangüentado. Era a desilusão zombando de um tolo. E que grande tolo, afinal, amar não o bastou, ele precisou buscar o invejável, o impensável, almejou demais sem saber que o que possuía já o completava. Ele não enxergara a verdade bem diante de seus olhos, e agora pagava por tais idiotices.

Ele havia tentado recuperar a dignidade, pelo menos. Mas, de nada vale uma dignidade falida, velha e obsoleta. De nada vale tentar recuperar o que não é possível, quando o fim se aproxima e a noite desponta no horizonte de esperanças.

Portanto, sua vida nada mais valia...

08 dezembro 2009

Paixão Enluarada

A Lua brilhava intensamente naquela noite de primavera. O vento fresco principiava uma chuva fina e passageira. Ao que tudo indica, nenhuma nuvem ou tempestade iriam opor-se a majestade da Madame pomposa e prateada, ou pelo menos, não atrapalhariam por enquanto... Pois, do alto de sua morada, a mesma assistia a vida e, com ela todas as desventuras que nos assolam.
Sendo honesto, ela, a senhora da noite, a dama do cabaré estrelado, ria da desgraça alheia, tal como o público ri de um palhaço. Especificamente, os risos voltavam-se para um tolo jovem, com o rosto encoberto pela treva, sentado na escadaria do Teatro Municipal. Seus joelhos estavam dobrados de forma que seus braços envolviam-nos em um abraço, um sinal de proteção, ou desespero. Se ele chorava, não sei dizer. O que posso afirmar é que nenhum carro passava pela rua, nenhum transeunte perdido pedia esmola ou ajuda. Naquele instante... A vida encontrava-se em luto, e a cidade aquiescia com o seu silêncio.
Morte, guerra, fome, que caíssem todas as pragas sobre o mundo, pois àquela hora pertencia a eles. Por direito e decreto, ela lhe devia explicações. E ele, sem pensar duas vezes iria ouvi-las, assim, em uma possibilidade remota, sua lógica pudesse compreender o que o coração há muito negava admitir. Assim, os olhos entenderiam porque as lágrimas caíram e secaram e perderam o cristalino cintilar entristecido.

Por quê? Por que isso tem que acontecer comigo?
Por que não posso passar de um simples amigo
Por quê? Por que eu não posse ter ela pra mim?
Eu não tive um começo, então como que eu tive fim?
Alguém me explique, por que as coisas têm que ser assim?
Ela nos braços de alguém que só lhe fará mal
Eu sempre sozinho no final
Caminhando e pensando pela rua
A minha única companhia é a Madame Lua
Mas até ela parece ignorar minha presença
De qualquer jeito, não faria muita diferença.
Eu continuaria nessa droga de estado depressivo
Somente porque ela recusou meu pedido...
As coisas têm que mudar, eu preciso de uma mudança.
Eu já cresci, não sou mais uma criança.
Mas então por que eu me sinto inútil, um bosta.
Eu não sei o que fazer,
Alguém, por favor,
Preciso de uma resposta...

-Infelizmente, ó pobre coitado, você joga palavras ao vento e desperdiça sua preciosa e tênue sanidade, se perde em conclusões e especulações que não o levam a lugar algum. Toda essa história patética de amor e essa sua ingenuidade de garotinho que não saiu das barras da saia da mãe... Por favor, poupe-me de joguinhos de chantagem. – a Lua, inescrupulosamente, deleitava-se com o espetáculo que assistia, trovejando risos por todos os cantos do céu. A garoa iniciava a valsa da madrugada, molhando e limpando as avenidas de São Paulo. Molhando e naufragando a esperança do jovem que, sem nome ou endereço, ousava insinuar toda sua complexa rede de sentimentalismo. Todo seu o complexo e frustrante amor...

Sanidade? Que sanidade?
Juízo, eu já tinha pouco.
E desde que a conheci,
Tenho me sentindo cada vez mais um louco
Guiado pelos meus instintos e não meus pensamentos
Esses instintos me levam para esse quarto cinzento
Onde eu sento e tento criar coragem
E ainda tenho que ouvir de você que tudo isso não passa de chantagem?
Quem é você para falar algo sobre amor?
Você fala como se fosse algum tipo de rainha
Mas você não percebe que você também está sozinha
Flutuando nessa imensidão do espaço
Apenas desejando alguém que possa te dar um abraço
Mas as estrelas estão a anos-luz de distância
Algumas estão ao seu lado, mas nem assim te dão importância.
Então por favor, pare com toda essa arrogância.
Então se acalme, pare e pense.
Perceba que eu e você
Não somos tão diferentes...

Após o desabafo, a Lua quedou-se perplexa em reflexão. As gotas finas que caiam do céu, rodopiando na madrugada e, com um baque suave atingiam o solo, compunham a orquestra que acompanhava o triste olhar da Madame prateada. De repente, ela havia dimensionado o quanto se sentia só, impotente ante o sentimentalismo que sua imagem transmitia, sua ironia agora de nada valia. Nem mesmo sua voz aveludada poderia quebrar aquele torpor frio e calculista. Sem se dar conta, ela sentia piedade de si mesma. Inferiorizada pelos argumentos de um mortal, que lá de baixo, conseguira comovê-la. Todavia, ela não iria permitir mortificar-se por... Frases feitas vindas de alguém que mal sabe da eternidade e os sacrifícios a serem pagos em favor das estrelas e constelações.

-Cale-se mortal, basta com o show. Você nunca entenderia o quanto é necessário a minha solidão... – seu tom sóbrio punha fim a qualquer tentativa de diálogo. Estava seca e farta de declarações estúpidas... E também de desgosto.

A pulsação do garoto acelerava, seus hormônios bombeavam a sutil adrenalina dos apaixonados... Ele a queria mais que tudo, mais que a vida e a memória. Porém, ao escutá-la debochando de seus sentimentos, uma enorme ferida fora aberta, deixando escorrer não somente o sangue, mas também uma parte de sua indignação, raiva. Afinal, mesmo para o amor, há um limite.
Ele baixou a cabeça e fitou o chão durante, o que pareceu ser, uma eternidade. Seus músculos estavam exaustos, seus olhos inchados pelas lágrimas quentes, sua boca almejava a boca da amada, e nada mais. Foi então, que o clímax de loucura e desilusão tomou posse desse herói fracassado... Divagou com o mármore e o concreto da escadaria, listou os problemas da vida, da morte e atreveu-se a dizer, gritando para o alto, exibindo sua face ante a frieza da natureza selvagem da chuva e do vazio:

Ela quebrou meu coração
Quando foi que eu dei esse direito?
Ela o quebrou em pedaços
E enfiou os cacos no meu peito
Uma imensa dor me foi entregue
E aquele não, aquele não ainda me persegue.
Peguei-me acordando de madrugada
Me lembrando de como ela ficou calada
Como nenhuma palavra ousava sair de sua garganta
O mais engraçado é que isso ainda me espanta
Eu já devia estar acostumado em ser rejeitado
Em amar e nunca ser amado
Essa insanidade está acabando com minha vida
Minha mentalidade já foi toda perdida
Sinceramente eu não sei o que ela procura
E até eu descobrir
Estou condenado a viver nessa loucura.

Por que nesse delírio, as imagens voavam, as lágrimas ardiam e os movimentos feriam o corpo como mil agulhas sendo enfiadas de uma só vez em um cadáver? Como poderia um ser que respira, fala e anda conviver com tal peso pelo resto de seus dias, enquanto a existência fosse uma boa opção? Essas dúvidas açoitavam cada centímetro desse coração juvenil. Qual seria a fronteira que separa amor de paixão? E paixão de delírio? E delírio de suicídio?

Em qual instante derradeiro ele encontraria as respostas para tais perguntas, se sua cabeça logo explodiria em rejeição?

A desilusão chegou a pontos estratosféricos. Era praticamente impossível conter os berros que travavam na garganta do jovem entristecido. E mesmo que ele berrasse, seriam berros emudecidos pelo som de sua frustração, que ribombava dentro de seus ouvidos e batia em ritmos cardíacos. Definitivamente, ele se encontrava em uma encruzilhada. Desistir? Aceitar e baixar a cabeça, como se nada tivesse acontecido? Esquecer, aos tropeços e empurrões essa dor pungente, ainda que isso lhe custasse noites sem dormir, relembrando aos prantos todos os segundos de intensa emoção vividos? Deixar de lado essa vontade... Seria um erro. Mas, insistir nesse erro seria seu fim. O céu enchia-se de nuvens densas, pesadas... A garoa agora era uma chuva. O tempo lançava seu veredicto sobre aquele julgamento de justiça e infortúnio: que o destino ficasse encarregado de dar ao garoto um novo sentido, um novo objetivo...

Agora a chuva só está piorando
Aposto que você deve estar adorando
Ver o idiota aqui molhado gritando com o nada
Então vai logo, dá uma risada.
Quero ver esse teu sorriso
Aproveite enquanto eu ainda tenho juízo
Porque juro para você eu não estou agüentando mais
Cansei dessa história de ser jogado para traz
Cansei de achar que alguém gosta da minha pessoa
Cansei de me derrubarem do trono e roubarem minha coroa
Não que eu acho que sou algum tipo de rei
Eu vou fazer grandes coisas, e sei que irei.
Mas vocês não me deixam ser feliz
Eu peço um pouco de amor
E eu ganho mais uma cicatriz
Então por mim vocês todos podem queimar no inferno
Quero que a tua dor e teu sofrimento sejam eternos
Depois, que seus corações virem gelo no mais forte frio.
Uh, o que foi? Você acha isso muito doentio?
Talvez eu devesse falar menos
Ai então vocês não se sentiriam tão pequenos
Pode esquecer! Eu vou continuar aqui
Vou ficar falando até que alguém venha me impedir
E é melhor que ela venha e me ponha numa cadeia
Aí eu não vou ter que ter essa convivência alheia
Porque eu desisto!
Desisto de vocês, das pessoas e do mundo!
Eu queria morrer!
Me daria bem melhor como um defunto
...
Não, não, esse não sou eu.
Só estou falando isso porque estou cansado
Eu não sei o que fazer! Meu Deus
Preciso ser resgatado...

Relâmpagos cortavam o acinzentado do céu e projetavam seu brilho esbranquiçado por entre as nuvens, como espectros, fantasmas que obscureciam a Lua e invadiam os olhares curiosos. Definitivamente, a tempestade havia começado, sem avisos ou mensagens de alerta, ela viera intercedendo a favor dos tais acontecimentos que assustavam até os mortos. A discussão acabara tal como o surto de ódio, e só restava aos sobreviventes daquela batalha juntar as sobras de vida que ainda persistiam e seguir em frente.
A Lua sumira do alto de seu pedestal. Explicações e desculpas eram inapropriadas para o momento, já que as palavras do jovem diziam todo o necessário. O mundo encontrava-se indiferente. A cidade que mergulhara em silêncio, respeitando o confronto de amor, despontava em completa normalidade. Viam-se alguns sujeitos mal encarados andando sorrateiramente, uma bicicleta aqui, outra ali. Logo os edifícios e casas despertariam, os cachorros latiriam, os assaltos voltariam a ocorrer, a poesia discreta e geométrica do ambiente retornaria aos seus bons poetas: os cidadãos... Tudo em estado de tranqüilidade cotidiana, como se nunca houvesse tido briga, choro, ironia e gritaria. Seria mais uma madrugada comum na história das ruas assombradas da metrópole. Não haveria mártir, certo ou errado, mocinho ou vilão. Pois, ninguém conheceria, de fato, o enredo que constituiu e afligiu a vida do garoto. Não saberiam nem mesmo o seu nome.

Um indigente em meio a um cemitério de almas acorrentadas.

Foi então, que fugindo a embriaguez da raiva, ele viu um vulto distinto entre os demais que assomavam na paisagem distorcida pelo dilúvio. Em sua mente exaurida, era mais um vulto, que saía de sua toca, procurando por uma chance de sonhar, ou viver... Baixou a cabeça novamente e voltou a pensar, a chorar. Olhava para o chão, a fim de encontrar uma saída, um refúgio seguro que suportasse todo o horizonte enevoado que se estendia dentro de seu peito. Um horizonte coberto de treva, de amargura e solidão, em que todos os elementos assumiam um ar de velório, tal como ele via aquela noite. Ensopado dos pés a cabeça, provavelmente ficaria resfriado. Mais essa, depois de tanta desilusão só lhe faltava um maldito resfriado e uns dias de cama. Merda! Nem sempre as coisas funcionam como planejamos, mas para aquele coitado, nada saiu como pretendia. Ele buscou demais, tentou demais, brigou demais... Sem saber, que por vezes, a solução é simples e engenhosa, adequa-se aos padrões e satisfaz as necessidades.

- Posso me sentar aqui? – uma linda voz de seda avermelhada invadira a redoma em que o bravo herói derrotado estava vivendo. A portadora da voz também era dona do vulto solitário que chamara a atenção, instantes atrás: uma linda jovem de pele clara como... A neve ou o brilho de uma estrela. Seu cabelo loiro longo formava ondas douradas enquanto caía, suavemente, pelos ombros e colo. Era mais uma adolescente, uma teennager de calça jeans, moletom preto e um All Star velho, mais uma que almejava conforto em uma escadaria de lamúrias e romances... Também estava encharcada, parecia tremer um pouco de frio. Um sorriso envergonhado perpassou seu rosto de finos traços. Um sorriso encantador. Seus olhos azuis lembravam o céu amanhecido durante o inverno. E eles estavam inchados por lágrimas doloridas. – Me desculpe, devo ter atrapalhado algo... Eu vou sentar em... – o garoto estendera o braço e segurara levemente o pulso da garota. Bastou um toque e tudo ficou esclarecido. Ela o olhou surpresa e nitidamente corada. Outro sorriso, mais uma vez envergonhado, porém, palpitava em ambos uma sensação de recomeço. Alegria espontânea. Uma felicidade primaveril, que só é vista após longas noites de pesadelo e tempestade...

Prontamente a chuva abrandaria sua fúria, deixando vestígios de seu ímpeto. Logo a harmonia reinaria sobre as construções outra vez.

Logo, a cidade iria amanhecer...

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Bom, esse texto eu escrevi com um brother, o daniel. Ele escreve muito bem e eu achei que ficou muito boa essa parceria. Qualquer coisa, visitem o blog dele tbm: http://ultimoromance.tumblr.com/ ... É isso ai, espero que vcs gostem do texto!

05 dezembro 2009

Espelho



Da trégua nasce a luz de uma noite enevoada. Dos olhos desce uma lágrima, uma exuberante lágrima azulada. E da vida, surge uma última esperança.

Exaurido de continuar andando, meus joelhos cedem ao desespero, meu corpo mergulha na terra, minha fronte é cortada, minha boca fechada.

Minha voz é silenciada.

De minha alma, a única essência é a incerteza.

Preso ao meu sonho, minha realidade paralela, meu universo primitivo e sofisticado, onde eu me conserto, me refaço e remodelo. Preso também a minha saudade, minha vontade irrecusável, em que as lembranças de nossos braços entre abraços e sussurros eram brilhantes durante a alvorada e se tornavam estrelas diante da meia-noite.

Gostaria de compor uma música, gostaria de expressar meus mais profundos sentimentos, adoraria emocionar platéias com uma ótima interpretação ou um poema bem escrito.

Amaria compreender o amor, escrever amor, desenhar amor e suspirar paixão incandescente. De fato, seria uma honra ser o senhor do coração. Mas não de qualquer um, mas sim do seu. Você que lê essas palavras ou mesmo você que as escuta. Ou você que as esquece...

Porque hoje eu lembrei do vento fresco da praia, da lua tocando o mar, do céu limpando a tristeza. Porque hoje eu ando triste. Porque hoje eu te vi sem querer.

E te perdi de novo.

E sei que continuarei te perdendo, até que um dos dois morra. Ou desista...

Por que escrevo se já não consigo? Por que choro se não é mais preciso? Por que espero alguém, se eu já não mais existo? Por que ainda me importo? Por quê?

Vou me desencontrando e sumindo, depois me encontro e converso. E novamente me perco. Ouço os diálogos irônicos, ouço os gritos de uma briga, ouço o arrependimento no palpitar de uma vida. Sinto o cheiro de nostalgia. E da melancolia. E da minha ruína.

Se fiquei trancado em um excruciante invólucro, se me desviei do que tentava alcançar. Digo com uma honestidade intrínseca: não pretendia isso. Na realidade, certos fatos não foram imaginados nem mesmo em completa agonia. E agora, querendo ou não, o que eu vivo é uma insensível agonia.

Eu quero gritar.

Eu quero urrar de dor, de pranto, de descontentamento... E alegria.

Só peço que possa fechar meus olhos. Dormir a tarde e confrontar a mais silenciosa noite. Peço que meus medos me assolem e me inspirem terror, para que no futuro eu consiga vencê-los. Consiga massacrá-los ao melhor estilo da vendeta. Peço que minha força ultrapasse meu controle, que ela ganhe espaço e confronte mão a mão alguns irritantes paradigmas.

Depois, ficarei cansado de pedir, cansado de tentar, de olhar, ouvir, silenciar, chorar, vestir e amar.

Não me cansarei somente da solidão.

Pois as sombras se tornam mais fortes nessa noite linda. O tempo passa. E eu fico admirando o deslumbre que é a ausência. O descompromisso. Uma liberdade sacrificada pela qual estou disposto a doar minha morte e minha amada, meu dia e minha nação, meu segundo e minha sabedoria... Minha fala e minha tola ação.

Eu sei que detalhes transcritos aqui não fazem sentido ou sustentam razão. Eu simplesmente sei. Mas, é dessa maneira que o meu mundo funciona e respira. E se ilude.

E nessa loucura, esbarrei em um espelho. Pude escutá-lo se estilhaçando, e apreciá-lo no chão, como um quebra cabeças. Ele era opaco. Grosseiro. Mesmo assim, possuía um charme translúcido. E foi nesse espelho que profetizei minha amargura. Chorei a secura de meus lábios e o óbito de meu conhecimento. Chorei de raiva. Cortei os pulsos e o sangue não escorria. Pedia socorro, mas a voz se calava. Morria indigente quando o sol se punha.

E me tranquei nessa meia-noite enluarada.