08 dezembro 2009

Paixão Enluarada

A Lua brilhava intensamente naquela noite de primavera. O vento fresco principiava uma chuva fina e passageira. Ao que tudo indica, nenhuma nuvem ou tempestade iriam opor-se a majestade da Madame pomposa e prateada, ou pelo menos, não atrapalhariam por enquanto... Pois, do alto de sua morada, a mesma assistia a vida e, com ela todas as desventuras que nos assolam.
Sendo honesto, ela, a senhora da noite, a dama do cabaré estrelado, ria da desgraça alheia, tal como o público ri de um palhaço. Especificamente, os risos voltavam-se para um tolo jovem, com o rosto encoberto pela treva, sentado na escadaria do Teatro Municipal. Seus joelhos estavam dobrados de forma que seus braços envolviam-nos em um abraço, um sinal de proteção, ou desespero. Se ele chorava, não sei dizer. O que posso afirmar é que nenhum carro passava pela rua, nenhum transeunte perdido pedia esmola ou ajuda. Naquele instante... A vida encontrava-se em luto, e a cidade aquiescia com o seu silêncio.
Morte, guerra, fome, que caíssem todas as pragas sobre o mundo, pois àquela hora pertencia a eles. Por direito e decreto, ela lhe devia explicações. E ele, sem pensar duas vezes iria ouvi-las, assim, em uma possibilidade remota, sua lógica pudesse compreender o que o coração há muito negava admitir. Assim, os olhos entenderiam porque as lágrimas caíram e secaram e perderam o cristalino cintilar entristecido.

Por quê? Por que isso tem que acontecer comigo?
Por que não posso passar de um simples amigo
Por quê? Por que eu não posse ter ela pra mim?
Eu não tive um começo, então como que eu tive fim?
Alguém me explique, por que as coisas têm que ser assim?
Ela nos braços de alguém que só lhe fará mal
Eu sempre sozinho no final
Caminhando e pensando pela rua
A minha única companhia é a Madame Lua
Mas até ela parece ignorar minha presença
De qualquer jeito, não faria muita diferença.
Eu continuaria nessa droga de estado depressivo
Somente porque ela recusou meu pedido...
As coisas têm que mudar, eu preciso de uma mudança.
Eu já cresci, não sou mais uma criança.
Mas então por que eu me sinto inútil, um bosta.
Eu não sei o que fazer,
Alguém, por favor,
Preciso de uma resposta...

-Infelizmente, ó pobre coitado, você joga palavras ao vento e desperdiça sua preciosa e tênue sanidade, se perde em conclusões e especulações que não o levam a lugar algum. Toda essa história patética de amor e essa sua ingenuidade de garotinho que não saiu das barras da saia da mãe... Por favor, poupe-me de joguinhos de chantagem. – a Lua, inescrupulosamente, deleitava-se com o espetáculo que assistia, trovejando risos por todos os cantos do céu. A garoa iniciava a valsa da madrugada, molhando e limpando as avenidas de São Paulo. Molhando e naufragando a esperança do jovem que, sem nome ou endereço, ousava insinuar toda sua complexa rede de sentimentalismo. Todo seu o complexo e frustrante amor...

Sanidade? Que sanidade?
Juízo, eu já tinha pouco.
E desde que a conheci,
Tenho me sentindo cada vez mais um louco
Guiado pelos meus instintos e não meus pensamentos
Esses instintos me levam para esse quarto cinzento
Onde eu sento e tento criar coragem
E ainda tenho que ouvir de você que tudo isso não passa de chantagem?
Quem é você para falar algo sobre amor?
Você fala como se fosse algum tipo de rainha
Mas você não percebe que você também está sozinha
Flutuando nessa imensidão do espaço
Apenas desejando alguém que possa te dar um abraço
Mas as estrelas estão a anos-luz de distância
Algumas estão ao seu lado, mas nem assim te dão importância.
Então por favor, pare com toda essa arrogância.
Então se acalme, pare e pense.
Perceba que eu e você
Não somos tão diferentes...

Após o desabafo, a Lua quedou-se perplexa em reflexão. As gotas finas que caiam do céu, rodopiando na madrugada e, com um baque suave atingiam o solo, compunham a orquestra que acompanhava o triste olhar da Madame prateada. De repente, ela havia dimensionado o quanto se sentia só, impotente ante o sentimentalismo que sua imagem transmitia, sua ironia agora de nada valia. Nem mesmo sua voz aveludada poderia quebrar aquele torpor frio e calculista. Sem se dar conta, ela sentia piedade de si mesma. Inferiorizada pelos argumentos de um mortal, que lá de baixo, conseguira comovê-la. Todavia, ela não iria permitir mortificar-se por... Frases feitas vindas de alguém que mal sabe da eternidade e os sacrifícios a serem pagos em favor das estrelas e constelações.

-Cale-se mortal, basta com o show. Você nunca entenderia o quanto é necessário a minha solidão... – seu tom sóbrio punha fim a qualquer tentativa de diálogo. Estava seca e farta de declarações estúpidas... E também de desgosto.

A pulsação do garoto acelerava, seus hormônios bombeavam a sutil adrenalina dos apaixonados... Ele a queria mais que tudo, mais que a vida e a memória. Porém, ao escutá-la debochando de seus sentimentos, uma enorme ferida fora aberta, deixando escorrer não somente o sangue, mas também uma parte de sua indignação, raiva. Afinal, mesmo para o amor, há um limite.
Ele baixou a cabeça e fitou o chão durante, o que pareceu ser, uma eternidade. Seus músculos estavam exaustos, seus olhos inchados pelas lágrimas quentes, sua boca almejava a boca da amada, e nada mais. Foi então, que o clímax de loucura e desilusão tomou posse desse herói fracassado... Divagou com o mármore e o concreto da escadaria, listou os problemas da vida, da morte e atreveu-se a dizer, gritando para o alto, exibindo sua face ante a frieza da natureza selvagem da chuva e do vazio:

Ela quebrou meu coração
Quando foi que eu dei esse direito?
Ela o quebrou em pedaços
E enfiou os cacos no meu peito
Uma imensa dor me foi entregue
E aquele não, aquele não ainda me persegue.
Peguei-me acordando de madrugada
Me lembrando de como ela ficou calada
Como nenhuma palavra ousava sair de sua garganta
O mais engraçado é que isso ainda me espanta
Eu já devia estar acostumado em ser rejeitado
Em amar e nunca ser amado
Essa insanidade está acabando com minha vida
Minha mentalidade já foi toda perdida
Sinceramente eu não sei o que ela procura
E até eu descobrir
Estou condenado a viver nessa loucura.

Por que nesse delírio, as imagens voavam, as lágrimas ardiam e os movimentos feriam o corpo como mil agulhas sendo enfiadas de uma só vez em um cadáver? Como poderia um ser que respira, fala e anda conviver com tal peso pelo resto de seus dias, enquanto a existência fosse uma boa opção? Essas dúvidas açoitavam cada centímetro desse coração juvenil. Qual seria a fronteira que separa amor de paixão? E paixão de delírio? E delírio de suicídio?

Em qual instante derradeiro ele encontraria as respostas para tais perguntas, se sua cabeça logo explodiria em rejeição?

A desilusão chegou a pontos estratosféricos. Era praticamente impossível conter os berros que travavam na garganta do jovem entristecido. E mesmo que ele berrasse, seriam berros emudecidos pelo som de sua frustração, que ribombava dentro de seus ouvidos e batia em ritmos cardíacos. Definitivamente, ele se encontrava em uma encruzilhada. Desistir? Aceitar e baixar a cabeça, como se nada tivesse acontecido? Esquecer, aos tropeços e empurrões essa dor pungente, ainda que isso lhe custasse noites sem dormir, relembrando aos prantos todos os segundos de intensa emoção vividos? Deixar de lado essa vontade... Seria um erro. Mas, insistir nesse erro seria seu fim. O céu enchia-se de nuvens densas, pesadas... A garoa agora era uma chuva. O tempo lançava seu veredicto sobre aquele julgamento de justiça e infortúnio: que o destino ficasse encarregado de dar ao garoto um novo sentido, um novo objetivo...

Agora a chuva só está piorando
Aposto que você deve estar adorando
Ver o idiota aqui molhado gritando com o nada
Então vai logo, dá uma risada.
Quero ver esse teu sorriso
Aproveite enquanto eu ainda tenho juízo
Porque juro para você eu não estou agüentando mais
Cansei dessa história de ser jogado para traz
Cansei de achar que alguém gosta da minha pessoa
Cansei de me derrubarem do trono e roubarem minha coroa
Não que eu acho que sou algum tipo de rei
Eu vou fazer grandes coisas, e sei que irei.
Mas vocês não me deixam ser feliz
Eu peço um pouco de amor
E eu ganho mais uma cicatriz
Então por mim vocês todos podem queimar no inferno
Quero que a tua dor e teu sofrimento sejam eternos
Depois, que seus corações virem gelo no mais forte frio.
Uh, o que foi? Você acha isso muito doentio?
Talvez eu devesse falar menos
Ai então vocês não se sentiriam tão pequenos
Pode esquecer! Eu vou continuar aqui
Vou ficar falando até que alguém venha me impedir
E é melhor que ela venha e me ponha numa cadeia
Aí eu não vou ter que ter essa convivência alheia
Porque eu desisto!
Desisto de vocês, das pessoas e do mundo!
Eu queria morrer!
Me daria bem melhor como um defunto
...
Não, não, esse não sou eu.
Só estou falando isso porque estou cansado
Eu não sei o que fazer! Meu Deus
Preciso ser resgatado...

Relâmpagos cortavam o acinzentado do céu e projetavam seu brilho esbranquiçado por entre as nuvens, como espectros, fantasmas que obscureciam a Lua e invadiam os olhares curiosos. Definitivamente, a tempestade havia começado, sem avisos ou mensagens de alerta, ela viera intercedendo a favor dos tais acontecimentos que assustavam até os mortos. A discussão acabara tal como o surto de ódio, e só restava aos sobreviventes daquela batalha juntar as sobras de vida que ainda persistiam e seguir em frente.
A Lua sumira do alto de seu pedestal. Explicações e desculpas eram inapropriadas para o momento, já que as palavras do jovem diziam todo o necessário. O mundo encontrava-se indiferente. A cidade que mergulhara em silêncio, respeitando o confronto de amor, despontava em completa normalidade. Viam-se alguns sujeitos mal encarados andando sorrateiramente, uma bicicleta aqui, outra ali. Logo os edifícios e casas despertariam, os cachorros latiriam, os assaltos voltariam a ocorrer, a poesia discreta e geométrica do ambiente retornaria aos seus bons poetas: os cidadãos... Tudo em estado de tranqüilidade cotidiana, como se nunca houvesse tido briga, choro, ironia e gritaria. Seria mais uma madrugada comum na história das ruas assombradas da metrópole. Não haveria mártir, certo ou errado, mocinho ou vilão. Pois, ninguém conheceria, de fato, o enredo que constituiu e afligiu a vida do garoto. Não saberiam nem mesmo o seu nome.

Um indigente em meio a um cemitério de almas acorrentadas.

Foi então, que fugindo a embriaguez da raiva, ele viu um vulto distinto entre os demais que assomavam na paisagem distorcida pelo dilúvio. Em sua mente exaurida, era mais um vulto, que saía de sua toca, procurando por uma chance de sonhar, ou viver... Baixou a cabeça novamente e voltou a pensar, a chorar. Olhava para o chão, a fim de encontrar uma saída, um refúgio seguro que suportasse todo o horizonte enevoado que se estendia dentro de seu peito. Um horizonte coberto de treva, de amargura e solidão, em que todos os elementos assumiam um ar de velório, tal como ele via aquela noite. Ensopado dos pés a cabeça, provavelmente ficaria resfriado. Mais essa, depois de tanta desilusão só lhe faltava um maldito resfriado e uns dias de cama. Merda! Nem sempre as coisas funcionam como planejamos, mas para aquele coitado, nada saiu como pretendia. Ele buscou demais, tentou demais, brigou demais... Sem saber, que por vezes, a solução é simples e engenhosa, adequa-se aos padrões e satisfaz as necessidades.

- Posso me sentar aqui? – uma linda voz de seda avermelhada invadira a redoma em que o bravo herói derrotado estava vivendo. A portadora da voz também era dona do vulto solitário que chamara a atenção, instantes atrás: uma linda jovem de pele clara como... A neve ou o brilho de uma estrela. Seu cabelo loiro longo formava ondas douradas enquanto caía, suavemente, pelos ombros e colo. Era mais uma adolescente, uma teennager de calça jeans, moletom preto e um All Star velho, mais uma que almejava conforto em uma escadaria de lamúrias e romances... Também estava encharcada, parecia tremer um pouco de frio. Um sorriso envergonhado perpassou seu rosto de finos traços. Um sorriso encantador. Seus olhos azuis lembravam o céu amanhecido durante o inverno. E eles estavam inchados por lágrimas doloridas. – Me desculpe, devo ter atrapalhado algo... Eu vou sentar em... – o garoto estendera o braço e segurara levemente o pulso da garota. Bastou um toque e tudo ficou esclarecido. Ela o olhou surpresa e nitidamente corada. Outro sorriso, mais uma vez envergonhado, porém, palpitava em ambos uma sensação de recomeço. Alegria espontânea. Uma felicidade primaveril, que só é vista após longas noites de pesadelo e tempestade...

Prontamente a chuva abrandaria sua fúria, deixando vestígios de seu ímpeto. Logo a harmonia reinaria sobre as construções outra vez.

Logo, a cidade iria amanhecer...

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Bom, esse texto eu escrevi com um brother, o daniel. Ele escreve muito bem e eu achei que ficou muito boa essa parceria. Qualquer coisa, visitem o blog dele tbm: http://ultimoromance.tumblr.com/ ... É isso ai, espero que vcs gostem do texto!

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