29 abril 2010

Meu Outono


Ontem acordei com a vista embaçada, ofuscada pela imensidão de meu vazio. Minha respiração ofegante denunciava a ansiedade contida em meu peito. Meu coração estava aos saltos, sem querer e querendo ao mesmo tempo. Suas piruetas eram tais que fui obrigado a ceder à tentação: levantei para olhar o horizonte.

Ainda era madrugada. O azul enevoado do céu pressionava o amarelo do sol. A manhã principiava sem demora; sossegada e quieta, ela aparecia em passos lentos e cadenciados.

Notei, displicentemente, que o outono torna a vida mais romântica. E solitária também, como em qualquer estação. Mas, verdade seja dita, o outono é a época das grandes paixões: depois da quentura do verão e as dores de cabeça de começo de ano e antes do frio insensível e pouco acolhedor do inverno. O exato momento em que as folhas envelhecidas caem formando uma chuva de desapego e separação; uma renovação inquieta que começa pelo fim e termina quando menos se espera...

Deixei meu olhar olhando a solicitude das estrelas que iam sumindo e brilhando antes de partir, como um adeus cortês. Pedi para meu tempo tomar conta do tempo que, embora pouco, me restava. Aos meus lábios dediquei à tarefa de beijar um beijo doce na ilusão dos sonhos amargos que tenho tido ultimamente. Fiquei a deriva; um torpor que subia aos meus pés e arranhava minhas costas até atrever-se na escuridão do meu pensamento. Um emaranhado de teorias e reconciliações, qual uma guerra sem fim ou um abraço esquecido.

Ao longe, sua imagem pairava suave. E aproximava-se em desassossego, correndo para meus braços. Queira ou não acreditar, minha cara, mas você gritava extasiada, frenética. Feliz eu, feliz você, havia razão em suportar o peso que suportava e falar o que falava, mesmo que as palavras fossem silenciadas pela magia do instante eterno e fugaz.

E eu ia ao seu encontro, tropeçando nos medos que caíam aos montes no chão. Um chão de terra, grama. Já não estava mais onde estivera. Se era loucura, creia-me, foi uma das melhores.

De repente, os primeiros raios de sol romperam sua figura em milhões de partes e seus olhos fugiram dos meus, junto com sua voz. Você foi sumindo da mesma maneira como foi aparecendo. As nuvens desapareceram. O azul-claro brilhava, a aurora cantava. Mas em mim havia dor. Não me queixo da tristeza em si. Nem da solidão.

Queixo-me de não tê-la como gostaria. Queixo-me de pranto pesado e soluços incansáveis.

Queixo-me de mil e uma coisas infindáveis enquanto houver a maldita covardia dos termos. E, contra eles não há argumentos que possam advogar a meu favor.

Só há uma certeza plena e indiscreta que insiste em ferver meus nervos: se for loucura, deixe ser a mais bela possível. Uma dessas em que o louco declama poesias ao vento e pede conselhos à parede. Até quando durará? Não sei; no momento importa somente a sensação e a atitude, o resto que tome seu próprio partido e busque sentido.

E se sussurrassem que amá-la seria o mesmo que esquecê-la, peço desculpas, mas meu amor é imperfeito e minha saudade é estrangeira, não possui passaporte nem visto e certidão, acho até que ela é indigente. Veio de outros e para os mesmos voltará.

Para que esconder um sofrimento tão bonito? Uma dor intermitente que causa um batuque tão suave. Uma lágrima quente que se finda em pureza, faz crescer esperança e fortalece a alma.

E então, quando finalmente acordei, você não estava ao meu lado. Minha cama estava vazia, os lençóis amassados, os travesseiros esparramados. A janela encontrava-se aberta. Levantei com custo para fechá-la: o frio vinha com a brisa e misturava-se ao seu perfume.

Quando cheguei ao parapeito para espiar a cidade acordando, ouvi um murmúrio indecente, fazendo perguntas sobre minha aparente insanidade.
A elas respondi prontamente, com gosto em cada letra pronunciada:

...é amor...

2 comentários: