07 junho 2010

Um leitor, uma pintora e um sonho de alegria


... Era uma vez um homem. Era uma vez uma criança. Era uma vez um sonho... O homem pegou um livro, a criança pegou um lápis, o sonho continuou na memória...

***

“Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios”

***

... Os dias foram passando, as pessoas melhorando, o mundo havia voltado a girar. O sol agora sorria, as rosas já não mais murchavam, os olhares desmentiam a indiferença... Tudo fazia sentido. O próprio sentido tinha sentido. Mas o luto persistia, o homem só fazia chorar. Abandonar o seu equilíbrio, capa de cortesia, decência intimada, palavra errada?

...Seria a loucura, a beira do precipício, o grande aviso, a derrota dos inabaláveis? Mas, e o sonho, onde fica nisso tudo? A criança ainda existe? Calma, meu amigo, pra tudo há seu tempo. A beleza da poesia está na magia com que as palavras são colocadas, decoradas com sucesso, bem acentuadas, quase perfeitas, quase... Eu não sou fã de poesia.

E, tocando dessa maneira nossa prosa, a criança tocava sua arte, gostava de pintar (apesar de não saber diferenciar as cores), achava graça do azul, preferia o vermelho (apenas um borrão mais intenso). Nada lhe afetava, nem mesmo a própria inabilidade. O outono começara. As folhas desprendiam-se das árvores, ganhavam o chão, terra firme, segura. O vento açoitava as noites, a depressão arrebatava aquele ser, o luto, a profundidade do abismo, o sarcasmo, o cinismo, a falta de hinduísmo... Ele tentaria a felicidade, se conseguisse alcançar a margem dessa praia...

***

“Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador”

***

Sonho? Que sonho é esse? Que esperança ainda resta, além da ida até a ponte, o sol, o crepúsculo, o horizonte? Bom, pelo menos o sonho não está mais na memória... Agora ele é potência, carência de alguém... Mas, ele tinha planos, gostaria de idealizá-los, transformá-los em uma entidade suprema, reluzente, um sol, uma saída, uma nova vida...

***

“Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos”

***

Quando menos se esperava, a criança falou: “Papai, vem cá ver o que eu fiz... Vem papai, por favor...”, antes que as lágrimas começassem a rolar de seus olhos e delinear suas rugas, o homem, sem vontade ou vivência, abriu caminho em meio aos seus desesperos, para poder socorrer quem sentia maior necessidade... E, ele disse: “Diga, minha filha, o que você fez?”, e a criança, uma garotinha, no máximo seis anos, doce, ternura em pele clara, doçura em tamanho de boneca, alegria móvel, motivação espontânea, brilho sincero: “Eu desenhei papai, eu desenhei você, eu desenhei a mamãe, a nossa casa... Mas eu não consigo desenhar o Mike... desenha pra mim, papai? Por favor!”, “Claro, eu desenho seu cachorrinho pra você, se isso te deixar feliz...”, e, ele derreteu-se em um breve momento de ternura... “Mas, papai, isso vai te deixar feliz também...?”, ele não pôde conter uma gotícula, transparente, minúscula, carregada de dor, carregada de passado...

E respondeu: “Vai sim, minha filha, claro que vai...”.

As horas poderiam se passar, as páginas do calendário poderiam até voar, eles continuavam seu ofício, sua distração... Se o mundo acabasse naquele instante, eles morreriam felizes... Pai e filha, um ajudando o outro a aliviar o peso da perda, o amargo gosto da intemperança... Traição do destino, família incompleta, o insuperável desejo de pular por uma janela aberta...

Mas, sempre há um sorriso pra se difundir, uma pessoa a se alegrar, um monte de gente pra acalmar, uma historia pra contar...

***

“Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz”
Charles Chaplin

***

E, sem muito a desmentir, mentir, iludir uma platéia, ferir uma idéia... Era uma vez um homem que não pretendia continuar lendo, ele tentaria viver, apenas vivendo. Uma criancinha que ia pedir a ajuda de seu pai quantas vezes fossem necessárias, com isso, tornar-se-ia uma ótima pintora... E, um sonho, o sonho... Bom, esse deveria luzir, oprimir e devanear, esse era seu papel, contudo, ele havia se tornado real... Uma concretização, iluminação, as portas de um mundo inaugural...

Nenhum comentário:

Postar um comentário