20 março 2010

O Vão da Porta 2


Não sei o que dizer.
Não sei ao certo se há alguma coisa a ser dita. Simplesmente estou perplexa.

Será um fantasma? Afinal, depois de tanto tempo, parece que me esqueci de como você é. Ou, pelo menos de como você era. Eu te amava, sabia disso? Eu tinha planos, tinha desejos, e o mundo não girava somente ao redor de suas vontades! Eu possuía um futuro escrito, acentuado e bem finalizado.

Mas, minha felicidade me deixou, foi embora com você, sem justificativa, sem piedade... Fiquei de mãos vazias, olhos vendados. Fui jogada à própria sorte. Como uma boneca de pano, que não fala, não respira e nem sente. Apenas um objeto.

Agora, você bate em minha porta dizendo: Tudo bem. Invade a minha vida outra vez, arrancando de mim o meu bem mais precioso: a tranqüilidade.

Meu coração vai batendo tal como um violoncelo desafinado.
Estou tentando conter as lágrimas. Cansei de derramá-las por ti. Cansei de ver o céu e procurar nas estrelas uma esperança de brechó. Uma oração milagrosa, uma frase amaldiçoada. Com o passar dos dias fui sentindo um amargo gosto no coração.

Após três meses de sua partida, decidi pegar nossas fotos e montar um álbum de recordações. Passei dois dias inteiros nesse projeto angustiante. Só pude dormir depois de vê-lo e revê-lo pronto. Lembro, como se fosse ontem, que tranquei a porta do meu quarto e minha mãe, do outro lado gritava histérica, que eu estava enlouquecendo. Mal sabia ela que já havia enlouquecido, por sua causa. Afinal, sempre havia sido você, do início ao fim meu sol era você. Minha estrela guia, a alma aventureira que se juntava a minha serenidade...

Sou sincera em dizer que pensei em me matar. Todavia, não pude. Imaginava se você voltaria. E, se voltasse, eu estaria morta... Seria injusto não pedir explicações para sua atitude, certo? Conclui que o céu poderia esperar um pouco mais. Ou talvez o inferno, ou nenhum dos dois. Quem se importa?

Meu mundo foi caindo aos poucos.
Desisti de conversar.
Desisti de sair com os amigos.
Desisti de aceitar ajuda e conselhos.
Desisti de estar aberta à novas experiências.

Só não desisti de vê-lo outra vez. Foi neste instante que notei a minha dependência em seu carinho, e sua ausência ia me ferindo e flagelando.

Resolvi mudar. Fugi de casa no meio da madrugada. Deixei um pequeno bilhete grudado na porta da geladeira. Cortei meu cabelo e fiz mechas avermelhadas. Sai sem destino, com a roupa do corpo, uma pequena bolsa e algumas notas para garantir a sobrevivência.
Comprei um maço de marlboro e coloquei no bolso de trás da calça. Aprendi a fumar sozinha. E também aprendi a parar com o vício, quando minha mãe, em prantos me ligou dizendo que meu avô estava internado, com câncer no pulmão. Não cheguei a vê-lo no hospital, não pude abraçá-lo uma última vez...

Depois de seis meses voltei para casa. Nem eu sei como me virei durante esse tempo todo somente com alguns pares de roupa. Quando deitei na minha cama de novo, chorei, gritei e tive pesadelos.

Amiúde, aquele amor preso no calendário sussurrava em meu ouvido memórias tristes, que abriam enormes rombos em meu peito. Cada anoitecer tirava de mim uma lágrima doída e um pedaço de vida repartido e esmagado.
Certa manhã suturei as feridas e segui meu caminho. Meu avô havia morrido, minha mãe era pura desolação. A casa cheirava a depressão. Lembranças demais, fotos demais, perdas demais. Um completo caos. Mas, foi nesse caos que encontrei minha ordem. Estudei várias semanas o que deveria ter estudado em anos, mas não fiz por estar ao seu lado. Fui recompensada: passei no vestibular. Cursei publicidade. Vi na faculdade um mundo totalmente novo.
Amores novos. Nada duradouro, apenas flertes, sexo e uma despedida digna, sem ressentimentos e promessas de namoro.

Sem o compromisso de estar ao lado de alguém.

Sem o compromisso que nós tínhamos.

Então, não me estenda essas rosas. Eu não mereço rosas roubadas de um jardim qualquer. Muito menos diga que tudo está bem, quando não está. Mas é impossível não reparar...
É incrível: você parece tão diferente, e tão estranhamente igual. Mais maduro, porém, sempre desajeitado. Sério, e também muito brincalhão.
Pare de me olhar. Pare de usar esses artifícios baratos. Já fui pega por eles uma vez. Uma segunda vez seria estupidez.

Mas receio ser uma tremenda estúpida. Será que devo abrir a porta? Por sua culpa estou ficando aflita.
Tudo o que aconteceu comigo é sua culpa. Toda a desolação, toda a loucura, toda a paixão... E eu permiti que isso me atingisse.

“O que quer de mim?” Estou torcendo para que não me responda.
Torcendo para que escancare a porta e entre sem minha permissão. Assim terei motivos para odiá-lo ainda mais.
Contudo, o meu ódio se confunde com meu amor, e aquela tênue linha que os separa deixa de existir.
O que posso fazer? Não há uma resposta de ti. Só esses olhos de cão sem dono.
E eu: choro por dentro e por fora. Afogando-me no passado e rejeitando suas flores. Mas, devo confessar que são lindas. Não acredito no que vou dizer, mas digo antes que morra de frustração.

“Dê-me logo o buquê... E entre.”

2 comentários:

  1. lindo lindo lindo ! *-----------------------*

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  2. aaaaaaaaaaaadorei *-* "esperança de brechó" e "amor de calendário" foi ótimo! parabens :D

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